sábado, 11 de maio de 2013

O Direito ao Delírio

Sendo eu uma eterna sonhadora fico feliz em poder compartilhar um hino ao sonhador. Bela escolha para a véspera do dia das mães. Mães que sonham com um futuro feliz para seus filhos, mães como as do texto, da Plaza de Mayo, que são um exemplo de saúde mental porque elas se negaram a esquecer nos tempos de amnésia obrigatória.




EDUARDO GALEANO, O DIREITO AO DELÍRIO


No século vinte e um,

se ainda estamos aqui,

todos nós seremos gente do século passado

e, pior ainda, seremos gente do milênio passado.

Ainda não podemos adivinhar o tempo que será,

sim que temos, ao menos, o direito de imaginar

o que queremos que seja.

As Nações Unidas proclamaram

extensas listas de direitos humanos,

mas a imensa maioria da humanidade

não tem mais que o direito

de ver, ouvir e calar.

Que tal se começarmos a exercer o jamais proclamado

direito de sonhar?

Que tal se deliramos por um tempinho?,

ao fim do milênio,

vamos fixar os olhos mais além da infâmia

para adivinhar outro mundo possível:

O ar estará limpo de todo veneno que não venha

dos medos humanos e das humanas paixões.

As pessoas não serão dirigidas pelo automóvel,

nem serão programadas pelo computador,

nem serão compradas pelo supermercado,

nem serão assistidas pelo televisor.

O televisor deixará de deixar de ser

o membro mais importante da família.

As pessoas trabalharão para viver,

em lugar de viver para trabalhar.

Se incorporará aos códigos penais

o delito de estupidez,

que cometem os que

vivem para ter ou para ganhar,

em vez de viver

por viver e só.

Como canta o pássaro,

sem saber que canta,

e como brinca a criança,

sem saber que brinca.

Em nenhum país irão presos os rapazes

que se neguem a cumprir o serviço militar,

mas os que queiram cumpri-lo.

Os economistas não chamarão nível de vida

ao nível de consumo;

nem chamarão qualidade de vida

à quantidade de cosas.

Os cozinheiros não mais acreditarão

que as lagostas adoram que as fervam vivas.

Os historiadores não acreditarão mais

que os países adoram ser invadidos.

O mundo já não estará em guerra contra os pobres,

mas contra a pobreza.

E a industria militar não terá mais remédio

que declarar-se falida.

A comida não será uma mercadoria,

nem a comunicação um negócio.

Porque a comida e a comunicação

são direitos humanos.

Ninguém morrerá de fome,

porque ninguém morrerá de indigestão.

As crianças de rua não serão tratados

como se fossem lixo,

porque não haverá crianças de rua.

As crianças ricas não serão tratadas

como se fossem dinheiro,

porque não haverá crianças ricas.

A educação não será o privilégio

dos que possam pagá-la,

e a polícia não será a maldição

de quem não pode comprá-la.

A justiça e a liberdade,

irmãs siamesas,

condenadas a viver separadas,

voltarão a juntar-se,

voltarão a juntar-se bem grudadinhas,

costa contra costa.

Na Argentina, as loucas da praça de maio

serão um exemplo de saúde mental,

porque elas se negarão a esquecer

os tempos da amnésia obrigatória.

A perfeição,

a perfeição continuará sendo

o aborrecido privilégio dos deuses.

Mas neste mundo,

neste mundo desajeitado e fodido,

cada noite será vivida

como se fosse a última,

e cada dia como se fosse o primeiro.

A UTOPIA é como o horizonte.

Nós o vemos ao longe,

nunca o alcançaremos,

mas serve para que

continuemos a caminhar.

(Fernando Berri)